24 de Julho 1874 a 29 Novembro de 1974
Mais uma vitíma de cujo caso poderemos retirar conclusões. Angelo Marques Macário, de 30 anos, vendedor de "Coca-Cola" cuja distribuição empreende no dia a dia com as possantes camionetas que transportam aquele refrigerante até aos bairros mais densos, foi roubado e espancado junto ao tanque da água do Cazenga. Ás 10 horas de 27/Julho/74. Subitamente viu-se cercado. Não pôde defender-se e ninguém o defendeu, três meliantes, dois armados e um fazendo barreira, "limparam-no" de todo o dinheiro ganho honestamente e que deveria ser entregue na empresa onde trabalha, espancaram-no, maltrataram-no e partiram-lhe a cabeça à coronhada. Tudo passado em pleno dia, com montes de gente a passar e a ver, de longe claro, porque a coragem parece ser virtude que não abunda muito por aqui nos últimos tempos.
Situações semelhantes tornaram-se vulgares na cidade de Luanda, encharcada de ódios e pânico.
Carmona fervilha de medo. Tanto na cidade como no Songo vive-se, dia a dia, hora a hora, em expectativa. Da roça Quifuane com o seu café a arder, passou-se para o incêndio de quatro fazendas. De um boémio a cair de bêbado com um emblema da FNLA pespegado na camisola, fez-se um comandante de guerrilhas.
Perto de três mil bailundos acampam no Songo, pelo jardim da Câmara e num vale mesmo ao lado, à espera do regresso-fuga às suas terras no Sul: "a gente tem que ir porque nos disseram para ir. Cada um agora vai na sua terra e este não é tempo bom para ficar por aqui. É mesmo assim." Interrogados, praticamente todos os bailundos dizem a mesma coisa. "nos disseram para ir... Não podemos ficar mais."
Vive-se uma tensão angustiante.
2 de Outubro de 1974, foi o dia escolhido pelo trabalhador gráfico para início da anunciada greve junto das empresas que até à data não tivessem subscrito o Acordo Colectivo dos Profissionais de Artes Gráficas de Luanda. Na sala de sessões do SNECI juntaram-se cerca de oitocentas pessoas, ordeiramente dispostas a ouvir o "comité", integrado por Fernando Neves, Cassiano Barbosa de Campos, Manuel de Almeida Magalhães, António Maciel, Eduardo Teixeira Garcia, Américo Jorge da Silveira e João Borges da Cunha.
Chegou a Luanda uma importante delegação representando a FNLA, que veio iniciar negociações para o estabelecimento dum cessar fogo definitivo. A delegação da FNLA é chefiada por HENDRIK VAAL NETO, actualmente uma das principais figuras daquele Movimento.
Enquanto decorria uma sessão na Câmara Municipal de Luanda, uma massa de povo interrompeu a sessão e apossou-se das instalações e declarou a ocupação popular, de passagem, definiu-se como simpatizante dum dos movimentos emancipalistas, facto que confundiu o major Pesarat Correia, do gabinete do MFA, que esperaria certamente ter de escutar reivindicações camarárias e enfrentou o que parecia um comício político. Acabou-se por eleger uma comissão que foi avistar-se com o presidente da Junta Governativa. Por esse meio democrático, novamente o arquitecto Troufa Real, viu-se a representar o município. Uma comissão militar "ad-hoc" ocupar-se-á do expediente camarário.
Confirmando as palavras do general Costa Gomes, que tinha prometido a continuação do diálogo iniciado na ilha do Sal, entre o General António de Spínola e Mobutu Sese Seko, delocou-se inesperadamente a Kinshasa uma delegação composta por personalidades oficiais portuguesas.
Alguma discrição rodeou os encontros do General Fontes Pereira de Melo com Mobutu e com alguns dirigentes dos movimentos de libertação de Angola.
Daniel Chipenda, não se escusou, uma vez mais, (e numa altura que não parece a coisa mais conveniente) a fazer violentas críticas às atitudes assumidas por Agostinho Neto, durante e após o Congresso de Lusaka:
-É preciso que os militantes do MPLA que estão em Luanda, que estão no interior de Angola fiquem sabendo isto: o Dr. Agostinho Neto não foi investido no cargo de presidente do MPLA, em qualquer congresso, por qualquer assembleia; não foi eleito pelos nossos militantes, mas apenas por quatro chefes de estado que, muito desprotocolarmente,muito em família nos disseram: Neto, você fica a ser o presidente, o Chipenda fica como 1º vice-presidente e você, Pinto de Andrade será o 2º vice-presidente. O que se passou em Brazzaville, não teve qualquer aspecto de eleição, de congresso.
-O Dr. Agostinho Neto não está nada interessado na unificação do MPLA e a cópia que temos em nosso poder sobre o acordo de Brazzaville não vale absolutamente nada!
Daniel Chipenda afirmou em conversa com os elementos da delegação Portuguesa:
-Quando em 1963, fugi de Portugal, encontrei em Paris amigos meus, antigos colegas de estudo que militavam na FUA e aos quais manifestei logo a minha preocupação quanto à má interpretação, que por parte dos africanos de cor, poderia surgir quanto ao aparecimento de um "movimento de brancos" a lutar pele independência de Angola. E agora manifesto também a minha opinião de que ainda é cedo para os brancos militarem mesmo nos movimentos já existentes, como é o caso do MPLA. Porquê? Por racismo? Nada disso! Eu sei que será muito difícil, não só em Angola como em qualquer parte do continente africano, conceber a posição de brancos a combater o colonialismo! Ainda não é, pois, a altura desses compatriotas brancos aparecerem a militar ao lado dos seus irmãos de cor, pois que o problema racial se pôe ainda com grande acuidade e haverá que fazer muito trabalho para amenizar os mais exaltados e os menos esclarecidos.
Holden Roberto concedeu uma conferência de Imprensa após uma visita ao campo militar de Kinkuso, onde se assistiu a impressionante desfile das forças da FNLA, bem como exercícios vários de fogo real, com algumas das modernas armas de guerra fornecidas pela República Popular da China. Dos diversos assuntos focados, importa talvez salientar que, para o presidente da FNLA, não existem obstáculos maiores que impeçam as negociações com o governo português.
-Se os dirigentes da UNITA estão dispostos a fazer uma frente com a FNLA e com o MPLA não vejo onde possa residir o inconveniente. A UNITA luta pelos mesmos abjectivos dos outros movimentos e certamente que tem uma palavra a dizer. Outro ponto que convém esclarecer, embora a culpa não ser nossa, mas fruto da propaganda que nos tem feito ao MPLA, é a acusação feita à FNLA de ser um movimento racista e não socialista, que como se pode comprovar não é verdade. Será por isso que o MPLA tem sido mais beneficiado pelo governo de Lisboa?
Foi melhor do que ter-me saído a sorte grande!
Armando Silva dava assim largas ao seu contentamento, momentos depois de ter sido liberto, após um longo cativeiro de cerca de vinte meses, no campo militar da FNLA, em Kinkuso.
-Nunca fui maltratado. A comida não era má, era igual à que todos os militares comiam no campo. Claro, ao princípio foi muito duro, sobretudo os vinte e um dias de narcha, a pé, quando fui apanhado no Leste e me troxeram para Lumbumbashi. Como a comida se acabou, tivémos de comer raízes cozidas e até...ratos! Nunca pensei comer ratos na vida... Mas aqui estou menos mal.
Armando Silva foi entregue oficialmente durante uma cerimónia realizada na sede da FNLA, em Kinshasa, a que assistiram numerosos jornalistas, radialistas, homens do cinema e da TV, e representantes de todas as agências noticiosas com escritórios no Zaire.
Hendrich Vale Neto, responsável pelo sector de Informações da FNLA teceu algumas considerações acerca da longa guerra movida contra o colonialismo e do "manifesto desinteresse do governo português pela sorte dos prisioneiros de guerra detidos pela Frente". N'Gola Kabango procedeu à leitura dos documentos que oficializaram a libertação de Armando Silva.
GREVES EM LUANDA
Face à morte, aos incêndios, à volência que grassava em Luanda, os problemas económicos pareciam poderem passar para segundo lugar. Infelizmente não era verdade. O caos económico trazia atrás de si mais desespero, mais violência, a fome e o desespero que originavam as grandes tragédias.
A verdade é que as greves voltavam a suceder-se a um ritmo impressionante. Aqui e além justificadas não só pela justiça do que se pedia, como pela recusa ao diálogo da entidade patronal. Mas a verdade é que, ultimamente, a greve estava a ser principalmente usada como arma poliítica. Aliás um planfleto posto a circular, assinado pela "gotaca/apoio à luta do povo", além de festejar o MPLA afirmava que "a nossa luta nas fábricas não se poderesumor a uma sim+les reivindicação salarial, ela tem que tomar a forma de luta política".
A questão, pois já não se punha na justiça das condições de trabalho que se desejava para o povo, mas sim na conquista do poder por uma ideologia. Mas seria isso que o povo queria? Seria isso que a maioria queria? Seria isso que interessava a Angola e aos angolanos? Seria que não se estava a comprometer dramaticamente o futuro para atender a interesses imediatos?
Tudo isso, e a própria situação transitória que atravessava o governo, aconselharia a que, em todas as negociações para resolução de greves, estivessem presentes representantes dos Movimentos de Libertação. A eles caberia avalizar as decisões tomadas, definindo se consideravam comportáveis as exigências num futuro próximo em que lhes caberia a responsabilidade de governar.
Uma outra vantagem adviria de tal decisão: ficar-se-ia a saber quem se interessava, realmente, com o futuro de Angola e quem se limitaria, apemas, a lançar-se na demagogia. Indispensável, também, nos parecia no momento - agora e não mais tarde - a definição de nacionalidade. Era importante saber quem se definia como português (e nesse caso mal se compreenderia que interferisse na vida pública e política de Angola) e quem optasse por ser angolano.
Uma decisão pedida nesse momento teria, indiscutivelmente, significado e valor. Surpresas não faltariam. Iria, provavelmente, descobrir-se que muitos dos que mais gritavam, mais barafustavam, mais exigiam, não teriam coragem de trocar o seu actual passaporte pelo que ainda estava por desenhar. E alguns dos rapazes que actuavam em Angola claramente por conta de outros ficariam com a careca à mostra...
Outra vez as noites de desassossego, os mortos, o desespero dos hospitais, a violência varrendo as ruas, os incêndios, as histórias medonhas de ódio assassino. Outra vez as lágrimas raivosas perguntando o porquê dos familiares mortos, a humiçhação de agressões inesperadas, o medo invadindo as ruas, transbordando dos muceques para as repartições, para as concersas que se tornam parcas a suspeitosas.
Mas Novembro não é Julho. Não é já possível despejar sobre os comerciantesdos muceques a responsabilidade das matanças. Não é já possível justificar os incêndios e as vilências como justa cólera vingativa. Por uma vez ninguém entende, ninguém compreende, ninguém é capaz de explicar porque se encha a noite de titos, se secedem durante o dia os incidentes violentos mais absurdos. Agora, então, que tudo levaria a crer a calma possível garantida. Garantes dela há, nada menos do que a Junta Governativa de Angola (que se comprometeu a assegurar a tranquilidade); as Forças Armadas Portuguesas (que assinados os diversos cessar de hostilidades deveriam estar em óptimas condições para o fazer); a FNLA, o MPLA e a UNITA (que abriram escritórios em Luanda para, terminada a luta armada, passarem à politização das populações).
As fotos falam por si. Com doze horas de antecedência os moradores da periferia do Catambor foram prevenidos que as suas casas iam ser incendiadas. E foram. Apesar dos pedidos de protecção. Apesar das garantias de defesa de pessoas e bens.
CHEGADA DO MPLA A LUANDA
OUTRA VEZ!
Faz-se acreditar que tudo é legítimo e tudo é permitido. Mas ao lado vem a tentação do banditismo. E a impunidade. A tentação de ameaçar os habitantes de uma rua exigindo o abandono imediato das casas e assinando MPLA. Nenhum dirigente daquele movimento se responsabiliza por tais coisas, claro. Mas a verdade é que também as não denunciam publicamente a tempo de evitarem lamentável expamsão. As pessoas sentiam-se desamparadas e receosas. Fogia-se. Nas Empresas em que nada de anormal se passava, o trabalho não produzia. Toda a atenção ia para os telefonemas que relatavam incidentes aqui ou além. Frequentemente contados com tintas negras.E a tropa, então? E a tropa? a Tropa, se calhar, não fazia o que podia. Não tinha convicção. É agora que há paz que se anda aos tiros?
E que se vê afinal? Um esforço sério concreto, da FNLA, no sentido de conseguir a calma. Alguns dos seus "jeeps" percorrem a cidade exigindo calma e serenidade. Paralelamente é o descalabro. Declarações, mais ou menos inócuas de todos os movimentos. Comunicados, medidos e cautelosos, da Secretaria de Estado da Comunicação Social, quase sempre tão desatentos às realidades, tão inesperadamente provocados, que só se entendem como resultado da intenção de estourar por completo com a paciência de todos.
Em Malange e para o Duque de Bragança, a tropa foi bastante diplomata. Concersou com guerrilheiros edentificados e que se apresentaram como do MPLA. Tentou chamá-los à razão contra abusos cometidos. Pouco depois o MPLA afirmava que tais homens não perteceiam ao seu movimento. Se o exército os perseguisse no momento, como simples bandoleiros, corria o risco de vir a ser acusado de abater nacionalistas numa altura em que a paz foi decretada.
Quem se entendia no meio de tal confusão?
Talvez tudo tivesse sido bastante mais fácil se os soldados não fossem políticos. Cumprissem só a sua missão que era a de impedir desmandos fosse de quem fosse. Exageros fosse de quem fosse. Talvez não tivisse sido f+acil, mas era a tarefa a conseguir. Infelizmente as decisões chegavam tarde, Foi preciso que a violência elevasse alto o número de mortos para se entender que as emissoras governamentais não podiam continuar com partidarismos claros, em programas que mais não eram do que incitamentos à violência.
Foi difícil entender que Luanda não era Lisboa. Que não se tratava apenas de expressar ideologias políticas, mas que se estava a brincar com o fogo em cima dum barril de pólvora.
Por outro lado o querer que determinadas coisas fossem duma forma que para o governante Rosa Coutinho era mais simpática, não foi o suficiente para se transformar automáticamente no que se desejava.
Agostinho Neto assinou o cessar fogo, mas a facção Pinto de Andrade ainda não tinha tonado nenhuma posição em relação a tal assunto. E a facção Chipenda era clara: Não reconhecia Agostinho Neto como Presidente. Não reconhecia a validade ao cessar de hostilidade entre o MPLA e o governo português; estava disposto a continuar a luta (e com meios novos e poderosos) até ser entendida a sua voz.
O sangue voltou a correr e parecia defícil o regresso à calama. As armas crepitavam no mucequee, sabia-se, muitas vezes apenas para lembrar que estão lá e dispostas a disparar. Pobre Angola! Em que inferno te meteu a inconsciência e a ambição de alguns.
ALMIRANTE ROSA COUTINHO REUNE COM AS DELEGAÇÕES DOS TRÊS MOVIMENTOS
DELEGAÇÃO DA UNITA
DELEGAÇÃO DA FNLA
ALMIRANTE ROSA COUTINHO DA JUNTA GOVERNATIVA DE ANGOLA DANDO POSSE DAS ALTAS FUNÇÕES DE GOVERNADOR DO DISTRITO DE BENGUELA AO MILITANTE DO MPLA SÓCRATES DÁSKALOS