ANTÓNIO SILVA CARDOSO


ANTÓNIO DA SILVA CARDOSO
ALTO COMISSÁRIO E GOVERNADOR GERAL
28 de Janeiro de 1975 a 2 de Agosto de 1975

Angola teve o seu segundo Alto Comissário nomeado ( o primeiro foi Norton de Matos), na figura do General Silva Cardoso. Coprrecto será começar por enaltecer o seu espírito de servir, ao aceitar a responsabilidade dum cargo que só por inconsciência se poderia ambicionar. Ser Alto Comissário nessa hora da vida de Angola era propor-se a fazer a mais dura corrida de obstáculos, com a garantia de não haver prémio final. Devolvidas as coisas a termos realistas, reencontrado o equilíbrio necessário, não contaria o Alto Comissário, em Angola, com uma máquina criada para lhe gabar as qualidades de árbitro ou para lhe fazer campanha pessoal. Seria apenas um Homem sobre o qual recairia a pesadíssima responsabilidade de ser justo, sem ser inflexível. Ser sempre calmo, sem ser hesitante. Ser sempre neutro, sem ser alheado. Adivinhava-se que não lhe faltariam momentos terríveis e dúvidas angustianyes. A sua própria posição de representante da República Portuguesa, e também de figura de cúpula nessa Angola de transição, no próprio momento em que não poucas vezes seriam bem diferentes os interesses de Angola e de Portugal, foi já de si uma terrível dualidade que só uma verticalidade exemplar e uma coragem apoiada em perfeita tranquilidade de consciência permitiu superar.
Saudemos pois, respeitosamente, o Homem que aceitou tão espinhosa tarefa e que dela saiu com o prestígio tal abalado, por quem estimulou a onda de greves (chegando à inconsciência de em nome do povo retirar o pão ao povo), por quem reacendeu ódios, levando novamente alguns marginais a violências e desmandos, por quem insistiu numa semana de poder popular.


Tomada de posse do Governo de Transição

Posse do Governo de Transição


 Alto Comissário - Ministros - Secretário do Governo de Transição

Membros do Colégio Presidencial

O areroporto "Craveiro Lopes" voltou a pejar-se de gente e a ganhar o colorido que lhe emprestava o povo angolano. Uma vez mais, aquele aeroporto foi receber solenemente membros do governo. Mas desta feita e após quinhentos anos de domínio, o povo esperava ministros angolanos. De Kinshasa chegava o avião que trouxe para Luanda os primeiros ministros indicados pela FNLA para o Governo de Transição. Naquele instante, os reflexos do acordo da penina sentiam-se. Angola começava novo rumo. Coube a Hendrik Vaal Neto, que foi Secretário de Estado da Informação, fazer a apresentação dos novos ministros, recebidos com aclamação pela mole de gente que inundou o terminal do aeroporto. Finalmente o governo angolano ganhava forma.
HENDRIK VAAL NETO
JONY EDUARDO e NGOLA KABANGU


O rebentamento de alguns morteiros causou enorme alarme, apesar de, por sorte, terem causado poucas vítimas. Tentativa de terrorismo urbano? Para servir quem ou o quê?


Reunidos em Assembleia Geral, os jornalistas de Angola (de Luanda para ser mais exacto) repudiaram a Lei de Imprensa, recentemente promulgada pelo ex-governo de Rosa Coutinho, dias antes de terminar a sua acção provisória. Deste modo os jornalistas ratificaram a posição assumida pela Direcção do SJA no dia seguinte à divulgação da Lei 4/75.
De resto a mesma estranheza quanto à dinâmica do ex-governo em botar Leis, já em tempo de preparar as malas, fora manifestada pelos orgãos de Informação independentes e por porta-vozes dos Movimentos de Libertação. Significativo foi o facto de ser apenas esse mesmo governo o único a defender a euforia legislativa dos últimos suspiros governativos.
Artue Queir´s, um dos responsáveis pelo sector da E.O., pronunciou-se contra a rejeição em bloco da lei de Imprensa. Na sua opinião deveria discutir-se a Lei, ponto por ponto, a fim de extrair dela os aspectos positivos que contivesse. A Direcção do SJA retorquiu-lhe não ser a Lei, em si, que estava, no momento, em causa, mas a extemporaneidade da sua promulgação.


A cidade de Luanda acordou sem pão. Subitamente e sem que os empresários panificadores tivessem conhecimento, os trabalhadores decidiram paralizar o seu trabalho deixando sem pão toda uma cidade, numa atitude de total desrespeito para com o público consumidor. Não se compreende como não foram alertadas as autoridades a tempo de intervir. O hiper-mercado da estrada de Catete manteve o fabrico ininterrupto e praticamente viu-se forçado a interromper a actividade normal para se limitar a vender pão, enquanto os hospitais não tiveram pão sequer para os doentes internados.


Antes houvera o Luso, claro, com muita gente,palmas e vivas e até afirmações importantes. Mas é da chegada de Savimbi a Nova Lisboa que teremos que falar. Desse espectáculo espantoso que foi ver centenas de milhares de pessoas transformarem-se num muro compacto que gritava alegria e fé.
Visto de longe era um espectáculo que se podia analizar friamente. Falar longamente sobre psicologia das massas, a euforia das multidões. Descrito assim a multidão passa a ser um número. Meio milhão leva menos dum segundo a ler e ocupa pouco espaço numa linha. Mas as centenas de milhares de pessoas que se viram em Nova Lisboa demoraram longas horas de marcha para chegar ali. Algumas demoraram gerações até se sentirem suficientemente fortes e livres para enrouquecer a gritar "KWACHA"!
Vieram do Huambo todo, e também do Bié. Também de Benguela e da Huíla e dos Guenguelas. De todo o centro de Angola foram vindo, pejando as estradas, drapejando bandeiras, cantando hinos e slogans. Não os esmoreceu a chuva copiosa que fertilizava o planalto e inundava o domingo de Nova Lisboa. Não lhes fêz medo a falta de alojamento. Para muitos foi apenas mais uma noite ao relento. Para outros a aventura de acampar numa cidade. Para alguns o assalto a casa de amigos e amigos de amigos. Para todos uma grande expectativa, um ambiente de festa nova, de alegria ímpar.
 Embora esse não fosse o seu desejo, o certo é que a UNITA estava cada vez mais consubstanciada no seu Presidente, um homem de grande habilidade política, de notável poder estratégico e extraordinário poder de comunicação.
 O jornalista Fernando Farinha que viajou no avião que transportou o Dr. Jonas Savimbi e que por esse facto permitiu conseguir alguns documentos fotográficos interessantes.


Quatro dias depois de terem sido detidos dois jornalistas zairenses por elementos do MPLA, no Luso, foi igualmente detido por elementos da FNLA o jornalista António Cardoso. No primeiro caso a E:O: manteve soberana indiferença, no segundo lançou-se numa ofensiva desaustinada contra a FNLA, contra os processos anti-democráticos, incitou as forças progressistas a manifestarem-se, num convite expressivo à violência. Passou a irradiar todos os comunicados de todos os partidos e organizações não reconhecidas no acordo da Penina.
A manifesta contradição que ressaltava da recusa em irradiar o comunicado da FNLA e depois de interromper o programa Voz de Angola Livre, saltava à vista. As consequências da atitude provocadora dos trabalhadores da E.O. eram imprevisíveis no momento, mas eram claramente o reflexo da acção deliberada da Secretaria de Estado da Comunicação Social, no período de gestão do comandante Jesuíno.
A entrega da estação oficial a um grupo de extremistas, militantes e simpatizantes de um dos Movimentos de Libertação, permitiu uma escalada oportunista através de meios revoltantes e fez-se sentir logo que o texto do acordo da Cimeira foi conhecido. Invocando o direito a uma pretensa liberdade de expressão - liberdade essa cerceada aos outros orgãos de Informação - violentos ataques foram dirigidos a líderes dos outros dois Movimentos, bem como aos jornais que não alinharam na conjura.
Recordemos o apoio que "progressistas" da E.O. e do "ABC" - subordinado à mesma orientação governamental - proporcionaram aos actos prepotentes da extinta Junta Governativa, aquando das prisões de personalidade ligadas aos sectores económicos, apesar dos métodos anti-democráticos e anti-populares utilizados.A teimosia da "legalidade revolucionária" foi dita e redita e ferozmente justificada. Muitos dos que apoiaram tais métodos viram-se posteriormente admitidos ao serviço da Secretyaria da Comunicação Social.
Sem qualquer pudor utilizava-se impressos e máquinas tanto da Emissora Oficial, como da Secretaria de Estado para elaborar comunicados de um dos movimentos (MPLA).
Entretanto o governo provisório não se cansava de falar da honestidade do processo de descolonização!
Aproveitando a onda de confusão lançada para sabotar o 31 de Janeiro, António Cardoso começou por recusar mandar irradiar o comunicado da FNLA e ordenou, depois, a interrupção do programa A Voz de Angola Livre. Procurou em seguida escorar-se no teor da Lei 4/75 e tentou por todos os meios contactar o comandante Correia Jesuíno. O que não conseguiu. Apesar de conhecedor dos termos do acordo da Penina, António Cardoso preferiu hostilizar um dos movimentos, numa atitude provocadora e em que não estava em jogo a liberdade de Imprensa, antes pelo contrário: uma vez que agiu como censor do trabalho dos outros. Seja como for, porém, a prisão nos termos em que se processou, foi arbitrária e prepotente. Mesmo considerando que seguiu o esquema de outras anteriormente perpetradas por forças ditas progressistas e que tiveram até o aval do jornalista agora detido.
Era preocupante a forma como sem escrúpulos e na dualidade de critérios, usavam e abusavam os servidores do sector da informação do Estado e a maneira como procuraram por todos os meisos contribuir para que se denunciasse o Acordo da Penina e se enveredasse pelos caminhos conducentes à guerra civil. Parecia coincidência de mais a onda de greves que estalou de súbito, o reactivar de apedrejamentos de veículos e toda uma série de sintomas de que se tramava algo. Gerou-se durante os dias da tomada de posse do governo de transição, um clima semelhante ao que antecedeu o 28 de Setembro em Lisboa. Tanto quanto agora se pode perceber, o que resultou das barricadas lisboetas foi uma nítida viragem à esquerda, bem necessária se nos recordarmos que observadores soviéticos, especializados em sondagens de massas populares, estimaram em menos de 18% as hipóteses do partiudo (PCP) nas eleições de Março. Situação semelhante encontrámos em Angola. Ao retomarem a Portugal, os homens que detiveram o poder e a responsabilidade de governar Angola, ainda deixaram para trás as sementes da violência, único meio que entenderam possível de contrariar a coligação. É fácil perceber que o Acordo da Penina não agradou ao vice almirante Rosa Coutinho, nem à sua equipa de activistas. Um deles, um dos "ad-hocs", o batalhador Batalha, nem se coibiu em afirmar publicamente que se devia era ter deitado bombas nos dois matutinos de Luanda!
Se ligarmos a estes factos a presença activa de Mesquita Brehm nos estúdios da E.O., juntamente com a outra metade do seu partido, talvez seja de retirar a suspeição de ingenuidade inconsciente aos suprapartidários da E.O.
Valha a verdade, no entanto, que António Cardoso se revelou, uma vez mais, melhor militante do que jornalista. A disciplina do militante consciente demonstrou-a logo após ter sido solto. Passando pela E.O. recusou-se a qualquer declaração, qualquer participação popularucha e foi para casa.


Como enquadrar a presença de Daniel Chipenda no contexto político angola a seguir ao acordo de Alvor.
Desde o 25 de Abril de 1974 que o MPLA se debatia com cisões internas. Não tinha sido capaz de encontrar soluções de harmonia. A mesma harmonia que tinha sabido em boa hora encontrar com a FNLA e a UNITA em Mombaça e que permitiu aos três Movimentos o acordo da Cimeira no Algarve. Sabemos agora que mesmo considerando as facções "Revolta Activa" e "Revolta do Leste" os problemas internos do MPLA e os seus reflexos, transcendiam o Moviemto a que presidia o Dr. Agostinho Neto. Perante o Acordo de Alvor caberiam à frente comum dos três movimentos a resolução dos problemas de Angola, certo também que o governo português igualmente assumia responsabilidades. Ceber-lhe-ia por conseguinte quota parte na resolução de crises políticas, económicas e sociais. Aliás, foi o governo subordinado a Lisboa que autorizou o escritório da Facção Chipenda em Luanda e decerto a ocupação do aquartelamento de "Ninda", numa altura em que também os outros movimentos consideravam Chipenda um peão nesse intricado processo.
Daniel Chipenda fez um Plenário em Ninda e foi ao Luso. Mexia-se, logo existia. Se ele estava ou não a soldo dos imperialistas era outra música. O que parecia demonstrado é que o MPLA por si só não conseguia congregar todos os seus militantes dissidentes.