DEIXARAM-NOS LÁ


AS FORÇAS MILITARES PORTUGUESAS E OS SERVIÇOS DE ORDEM E SEGURANÇA ESTAVAM AUSENTES. OU MELHOR DIZENDO, ESTAVAM PRESENTES MAS COMO MEROS ESPECTADORES.

A IMPOTÊNCIA OU A PASSIVIDADE CÚMPLICE SÃO UMA COISA. A ACÇÃO DELIBERADA, OUTRA.

O QUE FIZERAM AS AUTORIDADES PORTUGUESAS DURANTE A TRANSIÇÃO E PRINCIPALMENTE DURANTE OS DERRADEIROS MESES DE 1975, FOI UM CRIME DE TRAIÇÃO E CRIME CONTRA A HUMANIDADE. ORGULHEM-SE OS SENHORES OFICIAIS POR NÃO TEREM SABIDO HONRAR O SEU CÓDIGO DE CONDUTA MILITAR.




SENHORES CIPRIANO ALVES e HEITOR ALMENDRA

AS RESPOSTAS QUE V. EXAS. DERAM E QUE SÃO DESCRITAS NO LIVRO DA ESCRITORA LEONOR FIGUEIREDO NÃO ME PARECEM VÁLIDAS.
LEMBRA-ME A HISTÓRIA DE UM HOMEM QUE ESTÁ DE CÓCORAS NA RUA, PROCURANDO ALGUMA COISA.
- OUTRA PESSOA SE APROXIMA SOLÍCITA E PERGUNTA O QUE PROCURA.
- OUVE QUE ELE PERDEU A CARTEIRA. E SE PROPÕE A AJUDÁ-LO.
- DECORRIDO UM TEMPO INFRUTÍFERO, PERGUNTA:
- O SENHOR TEM A CERTEZA QUE PERDEU A CARTEIRA AQUI?
- O PRIMEIRO RESPONDE:
- NÃO, FOI DO OUTRO LADO DA RUA, NAQUELE CANTO ESCURO; MAS ESTOU PROCURANDO AQUI PORQUE TEM MAIS LUZ. É EXACTAMENTE O QUE TÃO DISTINTOS OFICIAIS TENTARAM DIZER:
- TÊM ANDADO POR LUGARES CHEIOS DE LUZ, DE CÓCORAS, MAS ESQUECERAM OS CANTOS ESCUROS DAS VOSSAS CONCIÊNCIAS.

NUNCA OS PERDOAREMOS


  •                 GOSTAVA QUE O TEMPO DESSE
  •                                    TEMPO Á VIDA PARA UM DIA
  •                                             PODERMOS VOLTAR E DESFAZER
  •                                             O NÓ QUE TRAZEMOS NO PEITO



ESTES SORRISOS, ESTAS CARAS DE GOZO PELO BELO TRABALHO QUE FIZERAM.
ALI, BEM ESCONDIDOS NA LANCHA QUE OS LEVARIA AO BARCO.
A FUGA ÀS RESPONSABILIDADES DO ABANDONO DOS SEUS COMPATRIOTAS QUE FICARAM NAS MASMORRAS DO MPLA.

ELES SABIAM

NÃO CONTAVAM É QUE OS SEUS COMPATRIOTAS FICASSEM VIVOS PARA CONTAREM A "IGNOMÍNIA" DA DESONRRA DAS FARDAS QUE VESTIAM



Foi em 1975, mais precisamente no dia 18 de Agosto, que ao almoçar no Hotel Costa do Sol, no morro da Corimba, que fui raptado por militares (guerrilheiros) do M.P.L.A.
Nesta época era muito difícil conseguir-se uma refeição em qualquer restaurante de Luanda.
A instabilidade, a luta fratricida entre os vários movimentos, a falta de géneros alimentares, a maior afluência, onde se serviam refeições por parte da população, obrigava a que se recorresse a alguns estratagemas para obter uma simples refeição.
Eu consegui verificar que o Hotel Costa do Sol, à Corimba, porque ficava ligeiramente fora da cidade, proporcionava, a quem tivesse viatura ou barco e se quisesse deslocar, a possibilidade de almoçar em condições e sem ter muita afluência.

No meu caso vários motivos me moviam a proceder assim:
1.      Eu era amigo do Director do Hotel, um algarvio de Portimão, de nome "VILLALOBOS";
2.      Eu possuía carro e barco;
3.      O hotel ficava numa zona fortemente controlada pelo MPLA, já que ficava perto do Futungo de Belas, local onde se situava a residência do Dr. Agostinho Neto e era considerada área restrita presidencial.
4.      A casa tinha sido comprada ao médico dentista Zeferino Cruz bem assim como o seu barco de recreio;
5.      Eu não pertencia a nenhum dos movimentos e como era delegado de informação médica era conhecido de vários elementos do MPLA.

No dia 18 de Agosto de 1975, enquanto decorria na sala de refeições do Hotel o almoço, ouviu-se um barulho tremendo. Grande parte dos comensais levantou-se e foi à varanda da sala, ver o que se passava
Segui o mesmo caminho e como a varanda ficava ao nível da estrada que ligava Luanda à barra do rio Kwanza, constatei que a proveniência do barulho se devia à passagem de carros blindados, lança mísseis (denominados órgãos de Lenine - ou mona caxito), várias viaturas de apoio para abastecimento de combustível e transporte de pessoal.
Perante esta demonstração de força bélica, comentei, em voz alta, para um senhor que estava a meu lado; "basta metade disto para arrasar a cidade de Luanda".
O senhor que estava a meu lado, vim a saber depois, era um comandante cubano, tal como a grande parte das pessoas que ali almoçavam nessa altura.
Quando retomei à mesa de almoço e reiniciei a refeição, entraram uns militares das FAPLA, cercaram a minha mesa e ordenaram que os seguisse:
  • Levanta, camarada!"
  • "Levanta, camarada!”

Perguntei, o que me queriam?
Simplesmente fazer-me algumas perguntas (foi a resposta).

Perante a atitude intimidadora que apresentavam, não tive outro remédio senão segui-los. Já no espaço circundante ao hotel, no parque de estacionamento, puxaram-me as mãos para as costas e ataram-mas com arame, introduziram-me num veiculo militar 'Land Rover' do exército português e sou conduzido a um local denominado por "MORRO da LUZ". Mandam-me entrar num pavilhão, onde constatei que já se encontravam várias pessoas, quer na sua maioria portugueses brancos, como também alguns estrangeiros. Lembro-me de uma equipa de reportagem da BBC.
O salão era enorme, talvez lá estivessem cerca de uma centena de pessoas.
Pela má posição na viagem e pelo tempo que demorámos, não sentia as mãos de inchadas que estavam, retiram o arame e a pouco e pouco recupero a corrente sanguínea.

Nesse pavilhão, permaneci até 3 de Setembro de 1975.
Tínhamos de estar sempre sentados ou deitados (no chão), não falávamos porque tínhamos medo, os rostos das pessoas mostravam ansiedade, quase que não respiravam. O medo era muito! Olhava-se sempre para a porta de entrada na esperança de que viesse o exército Português. Olhava-se em redor e só se viam caras angustiadas. Havia alguns colchões, mas não chegavam para todos. Sempre que tínhamos necessidades de ir ao WC, levantávamos um braço, vinha um FAPLA ao pé nós e acompanhava-nos até aos sanitários, ficando sempre de guarda, depois retornávamos ao lugar. Uma vez por dia, davam-nos uma espécie de sopa de farinha de mandioca, ou de outra coisa irreconhecível, algumas vezes quente outras já morna.

No dia 3 de Setembro, entraram alguns elementos do MPLA, que pelo traje civil e pela deferência com que eram tratados, davam indicação de pertencerem à cúpula do Movimento. Olhavam todas as pessoas e em dado momento falavam com um militar, este ia junto de determinado indivíduo, o mesmo acompanhava-o e saiam do pavilhão.
Após ter presenciado este procedimento algumas vezes, levantei o braço e desloquei-me até junto dos elementos do MPLA, pedi licença e perguntei quando me seriam feitas as perguntas que me queriam efectuar.
Um deles, comandante "ONAMBWE", virou-se para um camarada fardado, comandante "MANUEL RUI MONTEIRO", sussurrou-lhe qualquer coisa, olhou para mim e mandou-me sair e esperar lá fora.

Cá fora estavam várias viaturas e inúmeros militares das FPLA.
Aguardei um pouco até à saída dos comandantes do MPLA.

Assim que saíram, o tal comandante “Onambwe”, fez sinal a alguns militares, estes rodearam-me, puseram-me os braços atrás, nas costas, ataram-me as mãos com corda e vendaram-me os olhos com adesivo. Empurram-me para dentro de uma viatura e transportaram-me até uma residência de dois andares, que posteriormente, soube estar localizada, entre o Bairro Popular e o Musseque Palanca, mesmo em frente a uma rua que dava para a estrada Luanda/Viana, quase no local da Fábrica de Tabacos Ultramarina (FTU). 
Amarrado fortemente, com cordas nas mãos e com os braços nas costas, estive encerrado, vários dias num compartimento acanhado a que designavam como despensa. O espaço era tão exíguo, que ora me levantava ou agachava, sempre com os joelhos a bater na porta.
Alimentavam-me uma vez ao dia, com uma mistela feita de água e farinha de mandioca.
Ao fim de alguns dias, cortam-me as cordas, tiram-me da despensa e arrastam-me até uma sala, onde alguns outros compatriotas, também sequestrados ilegalmente se encontravam.
Pela inactividade e pela pressão das cordas, tinha novamente as mãos inchadas e não as podia mover.
Foram os outros compatriotas, que solícitos, me ajudaram a restabelecer a debilidade em que me encontrava e me trataram, com os parcos meios que possuíam, pois tinha as mãos inchadas, devido à permanência na despensa durante tanto tempo sob pressão das cordas e inactividade de movimentos.

Certo dia, sou levado à presença do Comandante da Base, (como o designavam os guardas armados do MPLA), um indivíduo de raça europeia, de nome “HÉLDER NETO”.

Pergunta-me a identificação e manda que coloque tudo o que trazia nas algibeiras, em cima da mesa onde se encontrava sentado; despoja-me de todos os objectos que ainda trazia comigo:
·        Um relógio de marca Ómega, cronómetro, que os meus pais me tinham oferecido quando tirei o ‘brevet’ de Piloto Particular de Aeroplanos;
·        A aliança de casamento;
·        20.000$00 angolares;
·        Um fio de ouro com uma cruz, que trazia ao pescoço:
·        O Bilhete de Identidade;
·        A carta de condução;
·        As chaves da minha residência;
·        As chaves da minha viatura;

Pergunto-lhe o motivo porque me tinham sequestrado, sem razão nem autoridade para o poderem fazer.
Riu-se para mim, deu uma sonora gargalhada e depois o seu rosto alterou-se, apossou-se de um nervosismo e em fúria responde-me que qualquer um servia, o que era preciso era estar em poder deles.
Junto a ele e ao seu redor, em pé, encontravam-se vários indivíduos, alguns que eu conhecia de vista:

·        O XAVIER, alto, que trabalhava na Policia Judiciária. O irmão tinha-se destacado em Lisboa como culturista. Era educado

·        O VICTOR GEITOEIRA;



·        Um, de estatura baixa, cabelo alourado, que tinha um Renault Gordine amarelo;

·        O JOÃO KANDANDA militar das FAPLA

O Hélder Neto mandou o Xavier acompanhar-me a minha casa, a fim de “passarem uma revista”.
Era já noite e fomos acompanhados de forte escolta armada.
Os homens fardados das FPLA, eram quase todos marginais dos musseques de Luanda, mais comummente designados por “Lumpens”.

Sou avisado, de que me matariam imediatamente, se tentasse atrair as atenções de qualquer patrulha militar portuguesa, ou chamar a atenção de qualquer outra pessoa que me pudesse identificar.

Revistam-me a casa que era no primeiro andar dúplex do 4º Bloco do Bairro Prenda., em cima da mesa de jantar estavam alguns documentos:
·              A Caderneta Militar;
·              O passaporte;
·              A carta de Patrão de Costa;
·             O registo do barco Tomix, na marinha, (Capitania do Porto de Luanda) e o comprovativo do documento de compra e venda devidamente autenticado em cartório;
·              O duplicado das chaves do meu carro;
·              O livrete e a guia (título provisório) para o levantamento do registo de propriedade automóvel na repartição das Obras Públicas de Luanda;


·              Um bilhete de passagem de avião Luanda/Lisboa, já pago, e confirmado para Outubro;
·              Uma ordem de transferência e o cheque no valor de 5.000$00 (que era o valor máximo autorizado);
·              A caderneta de voo (registo de tempos de voo)
·              A licença de PPA e PC.

Enquanto os militares subiam ao andar superior e numa distracção, consegui apoderar-me da cópia das chaves da viatura, do livrete, da guia/título provisório de registo de propriedade da minha viatura Honda e a passagem de avião, meti tudo rapidamente numa algibeira.
Em cima de um caixote encontram uma pistola e pelos documentos verificaram que estava devidamente legalizada e que o carregador não tinha balas. Um dos militares, ao ver a pistola, entrou em histeria e aos gritos dirigiu-se para mim gritando
  • era para matar os pretos
  • quantos matas-te? mundele" (branco)
  • "pula da tugi " (branco de merda).
Aí, o Xavier interveio e acalmou o FAPLA.

Como tinha tudo encaixotado e em grades (o recheio da casa), móveis, electrodomésticos, roupas, etc., perguntam-me se não quero ficar em Angola. Em resposta digo, que por motivos de a minha esposa estar a ser tratada em Lisboa a possível doença oncológica de um seio, que perante a instabilidade e a crise de autoridade que reinava em Luanda, decidira fixar residência em Portugal, pensando ser temporária, só até as coisas acalmarem em Angola, por isso estava disposto a levar o que com sacrifício e na base do meu trabalho e de minha mulher, tínhamos indo adquirido a pouco e pouco, ao longo dos anos de permanência em Angola.

Entretanto, já tinham ido procurar uma camioneta.
Assisto à pilhagem rápida e eficiente da minha casa.
Não demoraram muito a carregar os caixotes e as grades com as coisas que estavam prontas para seguir para Lisboa.

Vieram-me as lágrimas aos olhos.
Tudo, o que eu e minha mulher, com tanto sacrifício e privações e ao longo de alguns anos, tinha-mos comprado para ter um lar e criar os nossos filhos, tudo o que na base do nosso trabalho, juntando economia a pouco e pouco, tinhamos vindo a comprar, mês a mês, foi transferido para a camioneta.
Balbuciei qualquer coisa, que nem me lembro.
Riram-se de mim e repetiam:
  • querias roubar Angola”;
  • "onde é que tens o cumbú" (dinheiro);
  • “se tu não zuelar (falar), olha que te apertamos os matuba! "(testículos).
Não ousei contestar mais, mas era justo que tentasse trazer comigo o que, com carinho e afeição, tinha comprado. Era justo que trouxesse daquela terra o que era bem nosso, que representava uma grande parte da nossa vida, pois em troca também a essa terra tinhamos dado a nossa juventude, a força do nosso trabalho, um pouco do nosso saber e dedicação, grande parte da nossa saúde e nela tinhamos gerado e criado os nossos filhos.

Agora, à distância, vejo que por nos agarrarmos tanto às coisas materiais e às recordações, podemos perder por vezes, o nosso bem mais precioso, a nossa vida.

Regressamos à Base do Bairro Operário.
Na sala encontro novas caras:

1.      O Sílvio Manuel Abrantes Garrido;
Tinha sido pára-quedista, tinha praticado box, tinha um corpanzil enorme, era o Comandante dos Bombeiros Voluntários de Luanda e estava sempre bem disposto;

2.      O António Jorge Cardoso Monteiro;
      Subchefe dos Bombeiros Voluntários de Luanda;

3.      O José Ferreira Gil;
Era dos Bombeiros Voluntários de Luanda, tinha sido dançarino do Grupo Tamar e tinha colaborado com a TVA;

4.      O Amílcar José Barreira;
Era vendedor da Fábrica de Tabacos Ultramarina, já meu conhecido;

5.      O Eng.º Cortes;
      Era alentejano, parece-me que estava ligado a fazendas de gado;

6.      O Sr. José Joaquim Damião Judas;
      Já de idade, era de Sá da Bandeira ou da Chibia, parece-me que   negociava com caixões ou era fotógrafo, não me lembro exactamente;

7.      A Milú;
      Cujo companheiro tinha uma plantação no Ambriz

8.      O Fernando Lamas de Oliveira;
      Representante e programador da IBM.

9.      O José Paulo Cardoso Seara;
      Empregado dos Caminhos-de-ferro de Angola, já meu conhecido;

10. O José Pena Monteiro;
      Que comercializava Especiarias “Mestre Especiarias”,
      já meu conhecido.

11. O Luís Guerreiro Pereira;
      Promotor de vendas da firma Lello;

12. O Mário Rui Monteiro da Silva;
      Era “ship-chandler”;

13. O Mário da Rocha Baptista;
      Era militar dos comandos;

14. O Nelson Lima;
      Empregado da firma Rocha Monteiro


Por esta casa passaram tantas pessoas, não nos conhecíamos, olhávamos uns para os outros com suspeição, falávamos em surdina, cautelosamente. Tínhamos receio de quem pudesse ser infiltrado, de que contasse o que não devia para obter as bênçãos do chefe da Base.
Após ganharmos alguma confiança, jogávamos às cartas uns com os outros, ou o Garrido escolhia um para praticar o seu exercício de box, mas sem magoar.
Naquelas situações, deixa-se de ter noção dos valores, tem-se medo é muito difícil de compreender.
Todos os dias apareciam pessoas novas, também desapareciam rapidamente após interrogatórios que duravam a noite toda.

Durante a noite ouvíamos perfeitamente o barulho dos aviões, já que a pista do aeroporto ficava próxima. Entretanto, com o pouco que cada um dizia, fomos localizando melhor o local, onde mais ou menos ficava a moradia.


Não fui maltratado nesta Base do Bairro Operário, mas tive dificuldade de alimentação.
Tivemos falta de água, mas o Garrido conseguiu convencer o Hélder Neto a deixá-lo ir buscar um autotanque dos bombeiros e trouxe água que encheu um reservatório que estava na rua. O Monteiro arranjou a bomba que impulsionava a água até ao nosso andar e resolveu-se.
As persianas das janelas tinham de estar sempre fechadas.
Passaram-se alguns dias e sou levado novamente à presença do “Hélder Neto”, no 1º andar.
Falou comigo com serenidade, foi amável e algo cortês.
Primeiramente convidou-me a sentar numa cadeira à sua frente.
Depois abriu-se contando-me coisas da sua vida. Contou-me que quando estudante tinha sido apanhado pela PIDE e enviado para o TARRAFAL onde esteve preso até 1965. Que tinha sido interrogado por um tal major Cardoso e que ele lhe tinha partido os dedos da mão esquerda, mostrando-me como eles se viravam quase todos para trás de maneira que quase tocavam as costas da mão.
Depois disse-me que tinha mais irmãos sendo que um deles era médico, mas homossexual e o outro era Eng.º
Contou-me que tinha estado na Argélia até 1974 e que os acontecimentos de 25 de Abril, tinham apanhado de surpresa todos os que lá estavam

Depois perguntou-me se eu sabia jogar xadrez e quando lhe disse que jogava alguma coisa, ficou radiante e colocou um tabuleiro em cima da mesa e iniciámos uma partida. Claro que me ganhou, o seu contentamento era enorme, demorou a dar-me cheque mate e estava esfuziante.

Então passou à acção.
Mostrando um elevado nível cultural, começou por me dizer que lamentava a situação em que eu me encontrava, que havia inúmeros camaradas do MPLA que me conheciam e diziam bem de mim, no entanto tinha sido denunciado por um tal “Carlos Ávila” membro da OPVDCA (organização provincial de voluntários e defesa civil de Angola), que se tinha entregue ao MPLA.

1.      Contou-me então que o Carlos Ávila se tinha alistado na FNLA.
2.      Que ainda em Luanda, formou um grupo de antigos voluntários da Defesa Civil, do qual era o comandante e se tinha apoderado do barco, "NORD II",  de Ruy Secca Correia de Freitas, (jornalista, proprietário do jornal “A Província de Angola”).
Ruy Secca Correia de Freitas

3.      Utilizando o barco, tinha evacuado por mar os militares da FNLA que se tinham refugiado e entrincheirado na Fortaleza de São Pedro da Barra.

4.      Que tinha fundeado o barco no porto do Ambriz.

5.      Que foi no Ambriz que me viu a quando da minha chegada com o barco “Tomix” e que o mesmo ficou acostado junto ao dele.

6.      Que foi testemunha ocular de eu ter falado com “Hendrik Val Neto" e que acompanhado com ele ter ido falar com o Coronel Gilberto Santos e Castro.

7.      Que no dia seguinte presenciou a minha saída do Ambriz, acompanhado pelo casal que tinha vindo comigo, trazendo ainda a esposa e o filho do Oliveira, proprietário de uma fazenda nos arredores.

8.      Que posteriormente me desloquei ao Ambriz, pilotando um avião e que eu tinha falado com ele no intuito da possibilidade de que me entregasse o barco, pois vinha mandatado pelo Eng.º. Rui Romero Monteiro, amigo intimo do proprietário, Ruy Secca Correia de Freitas que se encontrava na África do Sul e lhe tinha escrito uma carta dando-lhe plenos poderes para que a embarcação fosse recuperada e levada até “Walvis Bay” na Namíbia.

9.      Que me tinha informado de que o barco não podia navegar, pois estava com avaria nos motores.

10. Que eu fazia parte de um grupo existente em Luanda e que colaborava activamente com a FNLA, tendo até realizado certas acções de relevo, como o apropriar-se de armas.

Perguntou-me se isto tudo tinha sido real.
Eu tinha de o confirmar, uma vez que ele duvidava de que tudo o que o Carlos Ávila contava fosse realmente verdadeiro.
O Hélder Neto confessou-me de que tinha feito um pacto com o Carlos Ávila, se ele colaborasse com o MPLA, deixava que ele apanhasse um avião para Lisboa, mas tinha receio que na ânsia de mostrar serviço, tentasse implicar inocentes.

Respondi que sim, que tudo o que me tinha exposto era realmente verdade e que as minhas idas ao Ambriz, tinham uma explicação. Quanto a eu pertencer a um grupo da FNLA, era falso.

Estávamos sozinhos na sala, o Hélder Neto continuou, naquele jeito, de modo quase confidencial, de amigo para amigo, falando devagar, crendo criar um clima de intimidade.

a.      Você já conhecia o Paulo Seara?
·        Sim conheci-o na esplanada do café Apolo11, no Largo do Kinaxixi, costumava, estar com o Eng.º Pompílio da Cruz.

Venceslau Pompílio da Cruz

b.      E o Amílcar Barreira?
·        Também o conheci no mesmo lugar e através do Eng.º

c.      E o Pena Monteiro?
·        Bem, esse conheci-o no bar do Hotel Trópico, meia Luanda o conhece, dedica-se a ensacar umas especiarias de uma maneira artesanal e depois deambula pelas mercearias e outros estabelecimentos a vendê-las, ou repor em stock o que falta.

d.      Você alguma vez foi ao Instituto de Línguas do Toni Rodrigues?
·        Sim fui lá uma vez conhecer as instalações a convite dele.

e.      E o Lamas de Oliveira?
·        Não o conhecia. Mas quando fui inspector da Texaco, em Nova Lisboa, lembro-me de ele correr de carro numa prova realizada em 1973.


f.        E O Joaquim Tomaz, sargento do "ASMA"?
·        Sim, também o conhecia, era dos que, habitualmente, encontrava em conversa com o Eng.º Pompílio no Apolo 11. Como só tinha motorizada, algumas vezes me tinha pedido para o levar no meu carro a alguns sítios.

g.      Como é que conheceu o Eng.º Pompílio da Cruz?
·        Um dia estava a tomar um café na esplanada do Apolo 11, quando vejo chegar um capitão, fardado de comando. Ele sentou-se á mesa de um senhor já de idade e iniciaram uma conversação. Entretanto ele olha para mim, levantou-se e veio ter comigo com um grande sorriso. Olhei para ele, a fisionomia não me era estranha, quando ele me diz: “Então Carlos já não te lembras do Gil!”
·        Recordei-me logo, era o Manuel Teixeira Gil, tínhamos sido colegas, ambos estudámos em Castelo Branco.
·        Convidou-me para a mesa e apresentou-me o Eng.º e conforme a conversa se foi desenrolando viemos a verificar que o Eng.º Pompílio conhecia o meu pai das minas da Panasqueira e assim travámos conhecimento e amizade.

Depois desta explicação, o Hélder Neto ficou pensativo, a noite já tinha passado e a claridade do novo dia entrava pelas frestas da persiana, mexeu na barba, olhou para mim e disse para eu regressar ao andar de baixo, apertou-me a mão e disse num tom enigmático: “em período revolucionário, a vida deixa de ter sentido”, abriu a porta e chamou um guarda para me acompanhar ao andar de baixo.

Passaram-se dois ou três dias, era já noite quando fui levado novamente à presença do Hélder Neto. Como da primeira vez, estava sozinho e foi gentil comigo, convidando-me a sentar numa cadeira à sua frente.
Iniciou então a conversa:

·        Você tem muita gente que o conhece!
·        Estou bastante admirado como é que você se meteu nestas andanças.

·        Um irmão de um dos membros mais influentes do MPLA, que é seu colega da propaganda médica, deu um testemunho muito abonatório sobre si.

·        Sabe a quem me refiro?
·        Penso ser um colega dos laboratórios Lilly.
O primeiro Angolano de raça negra a ser Delegado de Informação Médica, em Angola:
Não há muitos dias levei-o no meu carro, ao bairro Marçal, a uma oficina onde ele tinha o seu automóvel a arranjar.

·        Sim é esse mesmo, disse rindo.

·        Também lhe trago um abraço do capitão Gil.
·        Confirmou que foi seu colega de estudos, em Castelo Branco e que conhece bem toda a sua família.

·        Quanto ao Eng.º Pompílio da Cruz, ainda não tive oportunidade de falar com ele, mas como o conheço bem, faço intenções de o procurar em breve,

Como da primeira vez, puxou do tabuleiro de xadrez e iniciámos uma partida. Demorou pouco, eu não esta concentrado e ele ganhou-me rapidamente. Mostrou-se, novamente contente por ganhar, mas desta vez não manifestou o seu prazer de forma tão marcante.

  • Retirou o tabuleiro, virou-se para mim e disse:
  • Agora conte-me lá tudo;
  • Sobre como foi ao Ambriz!
  • Como é que se meteu no grupo do Toni Rodrigues!
  • Sobre o Eng.º Pompílio!
  • As armas, etc.

Eu estava aflito e algo receoso, mas ele apercebendo-se, deu-me uma palmada no braço e afirmou, que o MPLA não fazia mal a ninguém, que o Movimento não tratava nem torturava ninguém como a PIDE lhe tinha feito e que o pior que me poderia acontecer era ser metido num avião e mandado para Lisboa.

Assim comecei a contar a minha história, oralmente, pontilhada aqui e ali por interrupções do Hélder Neto, quando queria saber mais em detalhe qualquer assunto. Isto levou a noite que restava até de madrugada.
Pronto! Disse ele, está a ver que não custou nada! Mais logo continuamos.
Novamente o procedimento como na primeira vez. Um sorriso, o levantar da cadeira, uma palmada nas costas, o abrir a porta e chamar o guarda, o meu regresso ao andar de baixo.

Nessa tarde o Hélder Neto mandou chamar-me.
Lá fui eu acompanhado por um guarda até ao 1º andar.
Recebeu-me com um aperto de mão, não tinha mandado o guarda embora, como das outras vezes, a porta continuava aberta, apontou para uma máquina de escrever que estava em cima da sua secretária e perguntou-me se a sabia manejar e utilizar.
Disse-lhe que sim, então ele ordenou ao FAPLA que a levasse para baixo, enquanto isso entregou-me um monte de folhas e disse:

·        Você vai escrever naquela máquina tudo o que me contou.
·        Quando acabar e num gesto de boa vontade, mando levar a Milú ao aeroporto e embarcá-la num avião.
·        Depois se o meu chefe da DISA, comandante Ludy Kissassunda ficar agradado com o que você escrever, dou-lhe a minha palavra que segue o mesmo caminho.

Não tinha outra alternativa senão concordar com o que ele me pedia. Assenti

Regressei ao andar prisão, desta vez acompanhado por um montão de folhas para escrever à máquina.

Todos os que se encontravam na sala, me olhavam cheios de curiosidade e expectativa.
Chamei o Barreira e o Seara para um canto e contei-lhes o que se passava e combinámos que, conforme eu ia escrevendo eles iam vendo e se alguma coisa os pudesse comprometer, alteraria o texto de maneira a não comprometermos o que cada um havia já declarado.
Aos outros, expliquei que a máquina e as folhas iriam servir para eu escrever as minhas declarações, conforme o exigido pelo Hélder Neto e segundo o meu depoimento verbal.

No dia seguinte houve uma surpresa, a esposa do Amílcar Barreira foi levada à casa do Bairro Popular e deixaram-nos falar. O Amílcar, veio ter comigo e perguntou-me se eu queria que o irmão fosse recolher o meu carro, (eu tinha-lhe contado que tinha trazido a chave comigo, quando fui lá com o Xavier), dei-lhe a chave e ele entregou-a à esposa.

Comecei então a escrever a minha história:

Durante os primeiros dias foi-me difícil, não sabia por onde começar, era só rasgar folhas, nada me corria de bem.

Entretanto o Hélder Neto chamava-me e perguntava qual era o andamento da minha escrita e eu, emaranhava umas desculpas e lá lhe respondia, que a falta de prática de escrever à máquina me obrigava a rasgar as folhas por erros que não conseguia corrigir.
Ele arranjou-me um lápis corrector, para eu poder anular os erros.

Um dia houve, que o Hélder Neto me chamou e com o Xavier ao pé disse que o meu carro tinha sido visto com o irmão do Amílcar Barreira.
Disse-lhe então que da minha pouca convivência, com o Amílcar Barreia, tinha sabido que o irmão tinha aptidões para arranjar carros. Uma vez que eu tinha detectado que havia uma anomalia com os travões do meu, precisamente no dia em que me prenderam no Hotel costa do Sol, lhe tinha entregue a viatura para ele ver o que se passava. O meu regresso do Hotel a Luanda estava assegurado com a vinda no meu barco, que estava no Clube dos Amadores de pesca, bem ali ao lado.
Então disse-me que o melhor era ir com o Xavier e trazer o carro, pois ali estava melhor e bem guardado.
Assim foi, acompanhei o Xavier e mais dois elementos da DISA, à civil, e fomos junto a casa do Barreira, onde encontramos o irmão e o meu carro, com a roda dianteira do lado direito colocada no chão e ao lado da viatura. O Xavier avisou-me para não dizer mais nada do que lhe pedir o carro e assim o fiz. Esperámos um pouco, para que o irmão do Barreira colocasse a roda no lugar, foi-nos dito que a jante estava empenada e lé trouxemos o carro. Eu a conduzir e o Xavier ao lado.
Quando chegámos, o Xavier relatou tudo ao Hélder Neto e como coincidiu com o que lhe tinha dito (por um acaso milagroso), ficou contente e disse para eu ficar descansado que só ele andaria com a viatura e só em caso especial, de resto ela ficaria estacionada junto à Base e guardada.

Agora sim, vamos ao que passei a narrar nas folhas escritas à máquina:


Após ter terminado de cumprir a minha incorporação militar, de 6 de Junho 1961, a 1963, regressei a Angola.
Iniciei a minha vida profissional, primeiramente fui topógrafo, já que a minha estada na Escola de Regentes Agrícolas  em Évora para isso me habilitava.

Depois, passei pelas sondagens e posteriormente trabalhei em geologia e geofísica (magnetometria), como prospector de minas e geologia na Companhia do Manganés de Angola. Nas minas da Quitota, e nas minas do Saia.


A certa altura, por convite do Professor Dr. Fernando Nunes Ferreira Real, reitor da Universidade de Luanda, vim estagiar no laboratório de petrografia da Faculdade de Ciências, na preparação de amostras minerais, em lâminas delgadas e superfícies polidas para exame de microscopia petrográfica.


Durante esse tempo, ia todos os dias à Direcção Provincial de Geologia e Minas, onde colaborava, com os meus conhecimentos técnicos e prática de campo, nos cursos ministrados aos Técnicos Auxiliares para Colectores e Prospectores.

Posteriormente fui aliciado para ir para a Companhia Mineira do Lobito, Jamba, Cassinga e Tchamutete, Tinham dado início ao departamento de prospecção e pretendiam pessoal qualificado.
A certa altura alertei a direcção técnica, que no jazigo de Cateruca o mineral de hematite, vendido para o Japão tinha uma quantidade de ouro excepcional, o que dava vender o ferro com um determinado preço e oferecer ouro com um valor muito superior. E comprovei levando amostras.


Passei então para a prospecção de ouro. Primeiramente na zona da barragem do rio Cuando, que ficava a uns 15 quilómetros de Nova Lisboa. Já que Mota & Companhia andava a fazer os trabalhos e com o completar da barragem, poder-se-ia não efectuar os estudos necessários. Depois fui para o Chipindo e outros locais.


Já cansado de andar sempre no mato, de barraca de campanha às costas, com as privações inerentes, resolvi sair da Companhia Mineira do Lobito e passei a trabalhar na Texaco, como inspector, em “Nova Lisboa”.
Conjuntamente com o meu desempenho na Texaco, iniciei o curso de Piloto Particular de Aeroplanos. Num monomotor, Piper Cubs, do Aeroclube do Huambo.


Depois vim para Luanda.
A “CTA – Consórcio Técnico de Aeronáutica”, tinha uma Escola de Pilotos Comerciais, inscrevi-me.
Tirei a licença de PPA e quando podia, para aumentar os meus tempos de voo, levava crianças com tosse convulsa para o ar, durante uma hora, num “Piper Cherokee”, outras vezes fazia voos para fazendas e abastecimentos a militares, (quando o serviço era muito e a companhia não tinha pilotos para os efectuar). Assim, lá fui obtendo horas suficientes para completar e obter a licença de voo de PC.


Experimentei fazer uma campanha no algodão em Novo redondo, mas era muito cansativo e desisti.


Consegui emprego como Delegado de Informação Médica na “ZUID – Casa Holandesa”.


Entretanto é iniciada a “TVA”, a televisão por cabo que Paulo Cardoso queria implementar em Luanda e estava instalada num edifico acima do Hotel Trópico, Fiz parte do primeiro quadro de colaboradores e assim todas as noites durante alguns meses, fui treinando para locutor e jornalista de exteriores.

Certo dia a TVA viu-se sem verba para poder continuar. Os recentes desenvolvimentos pós 25 de Abril, retiraram vontade aos investidores de injectarem mais dinheiro na empresa. Saímos todos. Quem tinha outro emprego continuou com o seu trabalho, os que não tinham outra ocupação procuraram emprego.
·        Lembro-me de alguns, entre tantos;
·        O Alfredo Cunha, (um dos melhores locutores que já ouvi), já tinha sido expulso de Goa quando foi tomada pelos indianos. Ficou sem emprego, (morava na Av. Dos Combatentes), soube depois que teve de ir para o Congo, para Kinshasa fazer locução, num programa em português, para poder sustentar a mulher e a filha;
·        O João Casimiro Namorado de Aguiar (dos amigos mais cultos que já tive, sempre com o cachimbo apagado, pendurado da boca), tinha colaboração num programa da rádio Ecclesia - Emissora Católica de Angola, do Padre José Maria, até ser preso por militares portugueses;
·        O Manuel Aristides Cisneiros Ribeiro Seabra (regressou a Portugal).
·        O João Salvatori Ramalho, (um amigo do coração), casado com a médica Maria Fernanda Matos Sá Pereira Ramalho, de Alpedrinha, (arranjou sociedade numa gráfica situada no prédio da Cuca).

Eu continuei como delegado de propaganda médica na Zuid – Casa Holandesa.

Todos os dias, ia beber um café com o João Ramalho. Normalmente depois de almoçar, passava pela gráfica onde ele trabalhava e íamos á esplanada da Apolo XI .

No regresso de uma das viagens que periodicamente fazia a Nova Lisboa no exercício da minha actividade, já em pleno período de confrontos entre os três movimentos acreditados pelo governo português, ao passar no Alto Hama, encontrei uma barragem na estrada de militares da UNITA, que me mandou parar.

 Era um posto de controlo, que passava revista a todas as viaturas.
“KWACHA” irmão, foi assim que o comandante daquele posto me saudou.
Mandou abrir a bagageira do meu carro e depois de olhar o interior pediu para abrir o saco de viagem. Mostrei o que levava, roupa e o necessário para a higiene pessoal (escova de dentes, pasta dentífrica, sabão e pincel para a barba, gilete e sabonete).
Uma pasta com literatura e dados científicos dos medicamentos e numa caixa de cartão levava amostras dos produtos.
Ao lado um volume de cigarros “Herminios” e um pacote de cigarros “Francês nº 1”.

Ao redor da viatura estavam 5 ou 6 soldados, todos com as armas apontadas para mim.
O comandante perguntou-me o que é que eu fazia e para onde ia.
Respondi-lhe que era Delegado de Informação Médica e que ia para Luanda. Que o que se encontrava dentro da caixa de cartão eram medicamentos para dar aos médicos.
Pediu-me, se lha dava alguns cigarros e que podia seguir. Assim fiz, dei-lhe uma mão cheia de cigarros Franceses, despedi-me e segui viagem.
Almoço na Cela.


Ao chegar á Quibala, o mesmo, outra barragem de estrada, mais um posto de controlo da UNITA, mais outra verificação da bagageira e lá se foram o resto dos cigarros Franceses nº 1.

Chego ao Alto do Dondo, cruzamento para a barragem de Cambambe, agora a controlar a estrada estava a FNLA. Procedimento quase idêntico aos anteriores. De onde vens, para onde vais, abre o porta-bagagem. Desta vez fico sem os cigarros Herminios e as amostras de medicamentos.

Paro no Dondo, vou ao Hotel junto ao rio Quanza e compro novamente um volume de cigarros, como não têm Herminios compro Java.

Sigo viagem, e na ponte sobre o rio Lucala, perto de Cassoalala, outra barragem com militares do MPLA.
 
À minha frente tenho duas viaturas, um jeep Land Rover e uma carrinha de caixa fechada. O condutor do Land Rover reclama com os militares, estes sobem para a caixa do jeep e obrigam-no a seguir para Massangano onde estava o comando daquela unidade.
Aproximam-se de mim e tenho a sorte de ser reconhecido por um dos elementos do MPLA, era natural do Dange-ia-Menha e tinha feito parte da minha equipa nos trabalhos de pesquisas, dos morros Kissala e Quitungo.

Fica contente de me ver e manda que levantem o pau que barra a estrada para eu seguir viagem, não sem antes me avisar de que dali até Luanda não havia mais controlos de estrada e que se eu visse algum, passasse com velocidade e não parasse pois eram bandidos.

Aproximo-me de Catete, passo a vila já de noite, ao longe nota-se no céu o clarão das luzes sobre a cidade de Luanda, de repente surgem no meio da estrada uns vultos de que identifico serem do MPLA, uns quase fardados, (se tinham camisa de camuflado o resto era vestimenta civil), outros com o chapéu característico das FPLA.

Erguem as mãos em sinal de paragem, sigo o conselho que me deram na última paragem, acelero o carro e sigo em frente.
Desviam-se saltando para os lados da estrada, passo a grande velocidade, de repente ouço rajadas de metralhadora, sinto o impacto de balas nas costas do acento, o Ford Mustang deu os 180 km/hora, sentia as pernas a tremer e um ligeiro suor corria-me pela testa.

Só parei junto ao prédio no Bairro Prenda. Abri a porta e fui ver a traseira do carro. Notavam-se 5 buracos na mala da viatura. Subi para casa e não contei nada à família para não causar preocupações.














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